Cápsula

“Amor,

Feliz aniversário! Espero que você tenha completado mais uma volta ao redor do sol, em segurança e com saúde. Se eu estivesse aí, te daria um abraço gigante e apertado, e faríamos uma maratona de algum terror trash dos anos 80, comendo empadas quentinhas de frango. Como isso não é possível, espero que minhas palavras te acalentem de alguma forma. Saiba que você é muito especial para mim. Te amo muito (e isso não é segredo).

Com amor,

V.”

Renato levou o papel rasgado aos lábios e sentiu o cheiro de Verônica nele como fazia todo dia cinco de agosto. Aniversário dele. O cheiro doce dela vagava em suas memórias de quando a Terra ainda existia e era um lugar quente, cheio de cores e sons. Ali, no meio daquela estação espacial fria, longe da casa que não existia mais, apenas a escuridão o fazia companhia — ela e a pequena VER085, a robô que restara como único receptáculo de metal fundido às cinzas de Verônica. A robô, que fizera a sua alegria por tantas décadas, piscando as luzes neon esverdeadas como os olhos da amada, há muito se fora, apagara, desistira. “O peso dos anos faz isso com todo mundo, até com robô”, pensou.

Já não restava mais sonhos na vida dele, um frágil senhor de noventa anos, orbitando o nada em lugar nenhum. Era hora de seguir em frente e deixar que o frio o abraçasse de vez.

Reuniu forças, desconectou o cabo do respiradouro com as velhas mãos trêmulas que já não mais jogavam truco ou eram habilidosas para sovar a massa dos pães que saciavam as horas do café da manhã dele e de Verônica. Programou o timer de seu descanso eterno para quando Waiting For A Girl Like You, da Foreigner, a canção preferida dos dois, terminasse de tocar. O peito esvaziou-se aos poucos como balão em fim de festa infantil e Renato entregou-se às batidas em câmera lenta de seu coração.

Acordou de repente num sobressalto, os olhos grudando, pastosos, e com dificuldade para focar a visão em algo. A primeira coisa que identificou em meio à confusão de luzes coloridas e uma sinfonia de sons metálicos foram as sondas conectadas às veias dos braços. E a segunda, o cheiro de empadas de frango recém saídas do forno.


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